Morávamos em Nice, no sul da França. No Natal de 2002, comprei uma super bicicleta BMX para meu filho. O menino nem cabia de tanta felicidade. Íamos para o Parque du Château, para o Parque de Villegrenier, levávamos os pequenos para andar de bicicleta pelas ruas de Saint Roch e ele podia andar tranquilo pelas ruelas do velho Nice.
A BMX custou uma pequena fortuna, algo como uns mil reais. Morávamos em um prédio de seis andares e tínhamos um espaço aberto e protegido onde podíamos guardar bicicletas ou carrinho de bebê.
Quando chegou janeiro, um dia, voltando com meus filhos da escola, estranhei o fato de o portão de acesso ao prédio estar aberto. Fui até o local das bicicletas e...!!! Das três bicicletas do prédio, a do meu filho tinha sido roubada.
Pedi à minha vizinha que subisse com os meninos e que ficassem protegidos em casa que eu ia dar uma olhada pelas ruas do bairro.
Eu pensava: se foi a turminha da área... Não vão ficar dando bobeira por ai com a bicicleta... Eles vão vender a bicicleta, eu pensei. Onde? Pra quem? Caixa Convertor!
Caixa Convertor era uma loja, recém-inaugurada, que comprava e revendia de tudo usado!
Vocês podem perguntar, mas tem ladrão na França??? É claro que tem ladrão na França! Ladrão é uma praga que tem em tudo quanto é lugar, infelizmente. O que difere é talvez a maneira como atuam : com mais ou menos grau de violência. Enfim...
Fui apressada (e com a adrenalina em química bizarra dentro de mim) na direção do estabelecimento. Pela vitrine eu vi, e vocês não vão acreditar, mas lá estava o ladrão segurando a bicicleta em frente ao guichê! Abri a porta de vidro e entrei, rindo da situação. Era incrível como meus pensamentos tinham me levado para aquele lugar!
Umas seis pessoas aguardavam para vender violão, torradeira, bibelôs... Eu entrei, dei uma olhada na bike e disse para o atendente - que nesse exato momento devolvia a identidade ao jovem ladrão
_ Monsieur, appelez la police, ce vélo est à mon fils, il vient d’être volé de notre garage !
_ Mas essa é a do meu filho!
_ Madame, a senhora está acusando o rapaz só porque ele é árabe? , disse-me um dos seis clientes na salinha de espera.
_ O senhor chama a polícia nem que seja prá dizer que tem uma louca aqui dentro da loja!
Foi um burburinho imenso de surpresa. Todos ficaram de boca aberta quando eu mostrei o lugar onde se lia Bruno no quadro metalizado.
O ladrãozinho aproveitou a confusão e saiu de lá correndo.
Fui correndo até a polícia. Já eram quase dezoito horas, o comércio ia fechar e a delegacia não era assim tão perto dali.
Chegando ao comissariado uma policial me informa que não havia nenhuma equipe disponível. Nesse exato momento chegam três policiais à paisana que perguntam pra ela qual era o meu problema. Eu aproveitei para contar eu mesma o que acabara de me acontecer.
_ Caixa Convertor comprando coisa roubada para revender?... Disse contraindo a sobrancelha um dos policias, que logo tomou a decisão: Essa é pra nós, les gars!
E saíram os três voando na joaninha deles em direção à loja. Eu tive que fazer o trajeto todo novamente, bufando feito uma condenada, pois eles não quiseram me levar – é proibido transportar civis inocentes em carro de polícia, principalmente em eventual perseguição.
Quando lá cheguei, eles já tinham recuperado a bicicleta e o gerente estava tendo que entregar a identidade do ladrão, preencher a ficha de ocorrência e ainda responderia em processo por interceptação de objetos roubados.
O mais velho dos policiais, à paisana, me pede então para contar a história desde o começo e ao final me perguntou:
_ Mas o que deu na cabeça da senhora pra pensar assim em marcar a bicicleta e acertar em vir ao Caixa Convertor?
_ Ah... São muitos anos de praia.... dezessete só de Rio de Janeiro, seu policial!
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