domingo, 4 de setembro de 2011

Muitos anos de praia...



Morávamos em Nice, no sul da França. No Natal de 2002, comprei uma super bicicleta BMX para meu filho. O menino nem cabia de tanta felicidade. Íamos para o Parque du Château, para o Parque de Villegrenier, levávamos os pequenos para andar de bicicleta pelas ruas de Saint Roch e ele podia andar tranquilo pelas ruelas do velho Nice.
A BMX custou uma pequena fortuna, algo como uns mil reais. Morávamos em um prédio de seis andares e tínhamos um espaço aberto e protegido onde podíamos guardar bicicletas ou carrinho de bebê.
Quando chegou janeiro, um dia, voltando com meus filhos da escola, estranhei o fato de o portão de acesso ao prédio estar aberto. Fui até o local das bicicletas e...!!! Das três bicicletas do prédio, a do meu filho tinha sido roubada.
 Olhei pra ele e vi a carinha de quem ia chorar. Ah que a gente ia tentar achar aquela bicicleta! Eu não trabalhei tanto pra dar uma bicicleta pro meu filho pra um connard roubar. 
Pedi à minha vizinha que subisse com os meninos e que ficassem protegidos em casa que eu ia dar uma olhada pelas ruas do bairro. 
Eu pensava: se foi a turminha da área... Não vão ficar dando bobeira por ai com a bicicleta... Eles vão vender a bicicleta, eu pensei. Onde? Pra quem? Caixa Convertor!
Caixa Convertor era uma loja, recém-inaugurada, que comprava e revendia de tudo usado!
Vocês podem perguntar, mas tem ladrão na França???  É claro que tem ladrão na França! Ladrão é uma praga que tem em tudo quanto é lugar, infelizmente. O que difere é talvez a maneira como atuam : com mais ou menos grau de violência. Enfim...
Fui apressada (e com a adrenalina em química bizarra dentro de mim) na direção do estabelecimento.  Pela vitrine eu vi, e vocês não vão acreditar, mas lá estava o ladrão segurando a bicicleta em frente ao guichê! Abri a porta de vidro e entrei, rindo da situação. Era incrível como meus pensamentos tinham me levado para aquele lugar!
Umas seis pessoas aguardavam para vender violão, torradeira, bibelôs... Eu entrei, dei uma olhada na bike e disse para o atendente - que nesse exato momento devolvia a identidade ao jovem ladrão
 _ Monsieur, appelez la police, ce vélo est à mon fils, il  vient d’être volé de notre garage !
 Exclamações se elevaram no recinto: oh ! Mas o que é isso?!
 Ainda rindo (eu realmente não parava de rir), feliz (e nervosa) por ter encontrado a bicicleta do meu filho, insisti:
 _ Moço, chama a polícia, essa bicicleta é do meu filho e acabou de ser roubada por esse rapaz.
 _ Quê isso madame ?, - me disse o ladrão - Vamos ali fora que eu mostro pra senhora umas três mil bicicletas como essa. 
_ Mas essa é a do meu filho! 
_ Madame, a senhora está acusando o rapaz só porque ele é árabe? , disse-me um dos seis clientes na salinha de espera.
 _ Eu não chamei o garoto de árabe, eu chamei de ladrão! Ele é ladrão porque acabou de roubar a bicicleta do meu filho. Moço chama a polícia!
 _ Non, eu não vou chamar a polícia – se esquivando talvez da punição, me respondeu o funcionário da loja, afinal ele estava comprando mercadoria roubada.
 Aí eu já não ria mais:
_ O senhor chama a polícia nem que seja prá dizer que tem uma louca aqui dentro da loja!
 A salinha ficou em silêncio!
 Uma senhora bem francesa que tentava ali vender um secador de cabelos, me disse:
 _ Mas madame, não é porque ele é árabe...  A senhora tem certeza que essa bicicleta é sua?
 E o ladrão: “Eu posso até buscar a nota-fiscal”
 _Essa é boa! , disse eu. Pois eu posso provar que essa bicicleta é minha!  Além da nota que eu tenho em casa, ela tem o nome do meu filho marcado no quadro.
Foi um burburinho imenso de surpresa. Todos ficaram de boca aberta quando eu mostrei o lugar onde se lia Bruno no quadro metalizado. 
O ladrãozinho aproveitou a confusão e saiu de lá correndo.
 Pedi que me entregassem a bicicleta e os três funcionários negaram.
 Pensei com meus botões: se eles compram coisas roubadas, pra eles o melhor é sumir com minha bicicleta e com a identidade do ladrão. 
Fui correndo até a polícia. Já eram quase dezoito horas, o comércio ia fechar e a delegacia não era assim tão perto dali.
Chegando ao comissariado uma policial me informa que não havia nenhuma equipe disponível. Nesse exato momento chegam três policiais à paisana que perguntam pra ela qual era o meu problema. Eu aproveitei para contar eu mesma o que acabara de me acontecer.
Caixa Convertor comprando coisa roubada para revender?... Disse contraindo a sobrancelha um dos policias, que logo tomou a decisão: Essa é pra nós, les gars
E saíram os três voando na joaninha deles em direção à loja. Eu tive que fazer o trajeto todo novamente, bufando feito uma condenada, pois eles não quiseram me levar – é proibido transportar civis inocentes em carro de polícia, principalmente em eventual perseguição.
Quando lá cheguei, eles já tinham recuperado a bicicleta e o gerente estava tendo que entregar a identidade do ladrão, preencher a ficha de ocorrência e  ainda responderia em processo por interceptação de objetos roubados.
O mais velho dos policiais, à paisana, me pede então para contar a história desde o começo e ao final me perguntou: 
_ Mas o que deu na cabeça da senhora pra pensar assim em marcar a bicicleta e acertar em vir ao Caixa Convertor
_ Ah... São muitos anos de praia.... dezessete só de Rio de Janeiro, seu policial!    

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