sábado, 24 de fevereiro de 2018

Levantando Poeira

Tem se discutido , já faz algum tempo, por professores de educação Física e pessoas ligadas à cultura em geral, a valorização de nossas práticas corporais e rítimicas no ensino da Educação Física no Brasil. Segundo Marcel Mauss, sociólogo e antropólogo francês, isso seria resgatar "a maneira como os homens, sociedade a sociedade, de forma tradicional, sabem se servir de seus corpos".
Os modelos de práticas esportivas e desportivas introduzidas no Brasil, chegavam já prontas e eram facilmente eram aceitos, pois o país se encontrava leigo na área da pesquisa metodizada e acadêmica.

Inezil Penna Marinho, professor de Educação Física e erudito no asssunto, analisou os diversos métodos empregados no ensino da Educação Física, dentre eles, o Método Francês, o Método Natural de Herbert, o Sistema de Ginástica Básica Dinamarquesa, a Calistenia, o Método Geral Austríaco, o Método de Treinamento Físico Militar, francês, o moderno alterofilismo e outros,  e concluiu que esses métodos de origem estrangeira estavam entre nós fortemente arraigados e que seria difícil substituí-los, ainda que, para muitos, inadequados à nossa realidade.

Desde 1907 se fala numa ginástica brasileira e essa idéia veio sempre vinculada à prática da Capoeira. 
Em 1928, escrito por Anibal Burlamaqui, surge o livro "Ginástica Nacional (Capoeiragem) Metodizada e Regrada"; em 42 a Divisão de Educaçção Física do Ministério da Marinha fez consulta sobre os melhores elementos para implantação de um método para o ensino da Capoeira na Marinha e em 1960, Lamartine Pereira da Costa, hoje (1986) Coordenador das Mídias da Rede EPT (Esporte Para Todos), lançou seu livro "Capoeiragem - A Arte da Defesa Pessoal Brasileira" .
Em 1980, participando como jurado da "V Roda Brasileira de Capoeira", realizada em Brasília, Inezil Penna Marinho se deixa convencer da urgência em se oficializar uma ginástica nacional, como a que têm os franceses, os alemães, os japoneses e outros povos.
Sérgio Augusto Sacramento ( Garrincha), 31 anos, formado pela UFRJ em Educação Física e mestre de capoeira do Grupo Senzala, observa que "o problema é político, mexe com o ensino universitário e de modo geral na prática da Educação Física no país". Mestre Garrincha considera que antes de se levar a Capoeira para o ensino básico, seria necessário , agora, abrir espaços para a formação de mestres em capoeira que passariam seus conhecimentos aos alunos do curso superior de Educação Física e a partir daí se iniciaria o processo nas escolas de ensino básico, 1º e 2 º graus. 
Dentro do processo educacional, a Educação Física, a nível supeior, é responsável pela formação de educadores habilitados no desenvolvimento global do homem, desde, e sobretudo, sua etapa de aprendizagem motora. Mas realizando um processo cíclico, o estudante formado pela escola de Educação Física, evidentemente apto a exercer sua função como educador, vai repetir, com pequenas variações, todas as práticas e técnicas esportivas e desportivas que lhe foram repassadas, como o voleyball, a ginástica olímpica, o handball, a natação, o alterofilismo, etc, etc 
Não que essas práticas sejam dispensáveis. São importantes. Porém, é fundamental que se inicie um trabalho de pesquisas a partir do encontro de profissionais e amadores da cultura popular, afim de estabelecer normas pedagógicas de controle, princípios de ação e intervenção para o ensino de uma educação corporal mais brasileira, opinião compartilhada pela professora de Educação Física, Cristina Muniz, 30 anos, formada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e que realiza um trabalho nesse sentido também no CIEP de Parque Anchieta, no Rio de Janeiro onde dá aulas, com o apoio do Animador Cultural desse CIEP, Sérgio Luis Cabral, 31 anos.
Deve-se ressaltar a figura do Animador Cultural dos CIEPS, que busca justamente elementos, práticas e costumes dentro da própria comunidade onde se situa um CIEP, para enriquecimento das aulas ( no ensino geral) e preservação de manifestações populares.
A respeito de se nacionalizar uma ginástica, Sérgio Luis Cabral diz que "implantar algo novo no que já está viciado é muito difícil" e fala, embora com entusiasmo, das dificuldades de se levar a frente um projeto como o CIEP.
Pode ser que a proliferação de academias de ginástica, musculação, judô, etc (existem 600 cadastradas só na zona sul da cidade do Rio de Janeiro), se deva ao fato de não ter havido nos oito anos obrigatórios de escola, a continuidade, a motivação para a prática da educação física.
Luiz Alberto Batista, 26 anos, 8º período de Educação Física da UERJ, dá aulas em academias e clubes. Quanto ao mecanismo de uma academia de musculação, por exemplo, diz que "são profissionais competentes que dão aulas, mas muitas vezes falham na orientação, talvez já pelo esgotamento por estar alí sem criar nada de novo" e devido ao grande numero de pessoas em uma sala.
Guilherme Aptibol, professor de Ginástica Olímpica da UERJ, lembra que nem sempre o dono de uma academia é professor de Educação Física: "o que se vê por aí são empresários investindo nesse modismo".
A Vice Reitora Comunitária da pontifícia Universidade Católica, Hedy Silva Ramos de Vasconcelos é a favor de que "tudo que é nosso deva ser incentivado desde cedo". Há dez anos a Capoeira é praticada na PUC como opção paralela ao curso de Educação Física, assim como o yoga, o Tai-Chi e a esgrima. Há um ano passou a fazer parte do curriculum da Educação Física como uma de suas disciplinas. O Tai-chi, a ginástica nacional dos chineses, além de ser uma prática diária de uma tradição milenar, é também ensinada nas escolas. 
Nóbrega Fontes, 62 anos, estudioso de nosso folclore, diz não ter encontrado em suas pesquisas prática esportiva mais nossa nem mais completa que a Capoeira. Esse senhor, inclusive, coloca à disposição de professores e capoeiristas sua biblioteca e seus conhecimentos.
Desde sempre o estudante brasileiro vai para o exterior buscando aprender novas técnicas e muitas vezes sem o conhecimento de seu próprio acervo. Enquanto isso, gente da Rússia, da França, dos Estados Unidos, vêm ao Brasil pesquisar nossa riqueza de movimentos corporais e rítimicos. A Capoeira já é ensinada nesses países.
Torna-se evidente a necessidade de valorização de nossa herança cultural não só com a idéia de preservá-la, mas sobretudo de dinamizá-la e fazê-la acontecer. 
Capoeira nas Escolas do Brasil: mais uma bandeira na praça.
autor: marilia de laroche/ texto escrito em 1986 para a revista Afinal.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018