Noite de Natal ... Imagina-se uma celebração em família, música natalina, crianças á espera dos presentes do Papai Noël... Mas não... As coisas mudaram.... E como mudaram... Essa noite toda a minha rua foi obrigada a ouvir música de péssima qualidade, a todo volume, que uma família de "ocupantes" cuspia pelos potentes auto-falantes da radiola do carro estacionado com o porta- malas aberto na garagem deles. Muita cachaça e cerveja regava a "alegria" dessa turma que em nenhum momento abaixou o volume pensando na vizinha idosa e doente da casa em frente nem nas crianças das casas ao lado... As letras das músicas, de um primitivismo chocante ( "Bota na bochecha", "segura na varinha", "arranca minha calcinha"...) evidenciavam o nível intelectual dos festeiros. E dá-lhe de cerveja! "Beber até cair".
As quatro da manhã meu filho veio me dizer que não conseguia dormir. Claro! Eu também não conseguia. O som invadia a casa como se a radiola estivesse na minha sala. Eu pensava: será que eu vou ter que ir lá pra pedir pra eles abaixarem um pouco esse som? Por que os outros vizinhos não fazem isso? Ninguém reage?! Por que aceitam esse abuso de decibéis? Será que têm medo dessa gente? O rapaz do som ensurdecedor foi preso na semana passada por ter assaltado uma senhora usando uma faca em plena luz do dia. A senhora o reconheceu e veio com a polícia até a casa dele. Foi pego em flagrante com a faca e os pertences da vítima e levado algemado. O rapaz só tem dezessete anos.
Há cinco anos eu venho percebendo que o rapaz estava bandiando pro lado errado. Sentia muito por ele. Lembrava dele ainda pequeno quando viemos morar aqui nessa casa. Já naquela época ele demonstrava um ladinho perverso... Naquela época nós o flagramos furando os pneus de todos os carros da rua com um canivete e a reação dele foi mandar meu marido tomar naquele lugar. Coitado! Não tinha educação e percebia-se que o nível de instrução dos pais dele também era redondo feito um fiofó. Mas era uma criança e o que eu poderia fazer era sempre que possível cumprimentá-lo com bons dias e boas tardes e falar sobre o tempo ou "como vai na escola?"...
Baseada nessa relação de cordialidade que sempre mantive com ele , com a mãe dele, com o irmão e com a irmã, eu resolvi ir pedir a eles que abaixassem o som. Eram quatro e meia da manhã. Destranquei minha casa e fui até lá. O som era realmente ensurdecedor. A radiola chegava a tremer. Ele, o irmão, o pai (que nunca me respondeu a um bom dia) e uma mulher que eu nunca tinha visto antes , estavam ali bebendo e movimentando o corpo numa espécie de dança de surdos. Quando o irmão dele me viu chegar já foi logo gritando comigo:
_ Ah não vem não que hoje é Natal!
_Justamen..., tentei dizer.
_ Não vem não! Eu tô na minha casa e faço o que eu quiser! me gritava ele na minha cara, eu do lado fora e ele do outro lado do portão. ( a casa não é deles, eles moram e em troca tomam conta da casa para os verdadeiros donos).
Tentei dizer pra ele que o fato dele estar "na casa dele" também não dava a ele o direito de obrigar a vizinhança toda a ouvir a música dele. O som não estava mais só na casa dele. O bairro inteiro ouvia. Mas ele gritava e gesticulava como se fosse pular o portão e me bater.
Eu dizia: "moço, não é porque é Natal que vocês têm direito de colocar o som nessa altura? São quatro e meia da manhã!". Ele gritava e dizia que eu fosse dar queixa na delegacia.
A impunidade é tamanha que infratores fazem questão de mandar a gente procurar a justiça.
Ele gritou tanto comigo que eu perdi as estribeiras e tentei puxar a orelha dele enfiando meu braço pela grade do portão. No que ele me ameaçou. Eu respirei fundo e antes de cometer uma insanidade, virei as costas e voltei pra casa decidida a ir á delegacia. Mas era noite de Natal! Tudo que eu queria era ficar tranquila em casa com meus filhos e meu marido que chegou na madrugada de ontem vindo de doze horas de ônibus de Parnaíba depois de cinco dias de trabalho intenso. Ele também não conseguiu dormir e hoje cedo, em pleno domingo de Natal, já foi pro batente levando turistas para Alcântara.
Mas o carinha estava decidido dali pra frente a amanhecer o dia com o som nas alturas só para provar sei lá o quê. Pra mim só provou sofrer da pior das doenças sociais: a ignorância.
E contra a ignorância não há remédio a não ser a adesão: a gente se fazer de ignorante também e aceitar a situação. Ah! Mas ai é tortura, é o mesmo que se violentar.
Tentei então fazer a minha parte e liguei para a polícia. A policial que me atendeu me confirmou que a lei do silêncio é válida também para as noites de Natal e que ninguém tem direito de perturbar a paz urbana. As seis eu liguei outra vez para a polícia. Me deram um número de protocolo. Mas viatura alguma veio. O som rolou até as oito da manhã... daquele jeito ! no máximo!
O rapaz também ligou pra polícia e disse que eu o havia agredido e que eu era detestada pela rua inteira. Pra uns eu sou uma "vagabunda" que insiste que a rua fique limpa e que as pessoas só coloquem seus lixos na calçada perto da hora da passagem do caminhão que recolhe. Para outros meu problema é o mesmo: eu sempre peço que abaixem o som se isso estiver me incomodando muito. Para um outro eu sou intransigente porque não o permiti colocar ferros de frente á minha casa para ele guardar uma vaga permanente para o carro da namorada. Outro porque eu não deixo que ele estacione a moto dele na minha calçada, que já é estreita. Moto não se estaciona em calçada! Eu já abri mão da vaga de frente á minha garagem por que eu não tenho carro. Mas ninguém entende que de frente a uma garagem não é permitido estacionar e que eu não tenho carro mas tenho o direito de usar minha garagem . Olha... é cansativo viver em um país onde o certo é errado e a ignorância impera. O que fazer? Eu sou brasileira e tudo que eu mais quero é ver meu país alcançar para um nível legal de sabedoria na convivência social onde as pessoas respeitem os direitos de cada um . Mas tá difícil ! Moral da história : eu deveria ter ficado na minha, mesmo sem conseguir dormir e no dia seguinte dar bom dia pro vizinho que me tirou o sono e que não hesitaria um instante em fazer isso todos os fins de semana. Agora eu tenho que conviver com o risco dele, ou da mãe dele (tão ignorante quanto ele) de me acertarem um "cascudo" como ela já anunciou bem alto para que eu e todos escutassem. Agora corro o risco de ser insultada a cada vez que eu passar pela porta da casa que eles ocupam. Onde está o erro? Eu devo aceitar que joguem o lixo nas ruas, que estacionem de frente á minha garagem, que coloquem a musica alta bem na minha janela que me impede ate´de ouvir minha televisão ou falar ao telefone ,que eu permita que me xinguem toda porque tem uma moto que estacionaram na minha calçada impedindo a passagem das pessoas e eu levar a culpa? Tem alguma coisa errada... "Sou eu o bárbaro", já dizia Rousseau. Pois nesse Natal, foi o "espírito do porco" que baixou e não o espírito natalino!
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