sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Divagação popular

Esperando o ônibus sob o sol escaldante que inunda o abrigo todo quebrado, cinco pessoas conversam sobre os problemas nacionais...

_ A grande crise nos aeroportos do Brasil é uma prova de que existem aviões demais!
_Já estamos, faz tempo, colocando em risco todos os seres humanos e, pior, destruindo a 
Terra e o Espaço ao mesmo tempo, jogando querosene na atmosfera.
_A mega crise está prá chegar, pois “o mundo gira em torno do dinheiro” ou, se preferirem, 
“o dinheiro faz o mundo girar...”
_ Pra ganhar tempo... e dinheiro... o homem vende todas as suas idéias. Vendeu a da bomba atômica! Vendeu a do avião! Hoje, gente morre alimentando esse comércio do deslocamento pelo ar.
_ A gente fica sem poder falar, tamanhas são as arbitrariedades do “mercado”.
 _ Pra mim, “mercado” deveria ficar na esfera do cotidiano. Coisas à distância incomodam. 
O bom é ter tudo perto.  Não precisamos de tantas marcas e produtos.
_Necessitamos apenas do essencial. Não temos que destruir a Terra em nome do tal do
“crescimento econômico”!
_ “Coisas grandes... dinossauros... são bonitos, mas não cabem no coração das
megalópoles”...
Com esse devaneio em prosa feito pelo senhor que até então só ouvia a conversa , todos se
olham e se interrogam exclamativos.
_ Coisas grandes? Dinossauros?
_ É um poema lindo de Cynthia Dorneles... Que morena!
_ Poesia... Poesia... O que seria do mundo sem poesia?
_ As usinas empregam gente que sai de casa ás quatro e meia da madrugada pra chegar ao trabalho ás sete,
trabalhar de pé, cheirando pó de serra ou manipulando produtos químicos. Isso lá é
vida? Onde está a poesia?
_ E ainda para ganhar menos de mil reais?
_ E para quê o homem vai à lua? Não seria melhor solucionar todos os nossos
problemas agora aqui na terra mesmo e nunca mais gastar dinheiro com o supérfluo?
_ Mandar tudo para o espaço!
_ Dizer não ao nuclear, não à corrupção!
_ Não à falta de hospitais!
_ Não à violência!
 _Não à impunidade!
_ Nã…
_ Olha só... é melhor parar de “viajar”... O ônibus vem vindo ali...
_ E como sempre, tá lotado!

domingo, 25 de setembro de 2011

Resposta á "Sub-Comissão"

comentário-queixa da "sub-comissão de moradores do Hotel Casa Grande" postado aqui em meu blog, transcrevo-o  e em seguida dou minha resposta. 

2011/9/25 Anônimo 
Anônimo deixou um novo comentário sobre a sua postagem

Cara Marilia de Laroche
De antemão, parabenizo-a por sua luta ativista sócio-cultural em estar sempre denunciando em seu blog os descasos que afetam nossa cidade, em particular nosso belo Centro Histórico. Com relação a polêmica levantada acerca do lixo do Hotel Casa Grande, vale lembrar o seguinte: 1) Antes de mais nada, ficar batendo boca pra saber quem tem razão não contribui em nada. Por que não sentar e elaborar uma solução como pessoas civilizadas? 2) Além do que foi citado, de forma generalizada, o HCG também é residência para muita gente: Aqui em sua maioria, residem retirantes do interior, artistas, escritores, estudantes, trabalhadores, estrangeiros de larga temporada, famílias, e outros sem-tetos. 3) Quanto ao lixo poderíamos sair em qualquer lugar do país fotografando os mais diversos tipos de lixos expostos nas calçadas, que iríamos ter um calhamaço book fotográfico jamais visto. Se reparar, na sua foto pode ver que os sacos estão totalmente fechados. Se por acaso algum outro tipo de bicho vem e o viola, o problema é com o dono dos bichos, que por ventura usam a rua para fazerem o n° 1 e o n° 2. Por fim, não é possível que uma coisa tão banal e inanimada, possa ameaçar o direito constitucional e indisponível de muitos em possuir moradia.
Sugestiono a você e ao seu público a assistirem o documentário Lixo Extraordinário. Quem sabe vocês possam ter uma nova visão a respeito da nossa causa.
Att,
Sub-Comissão em favor da permanência dos Moradores do Casa Grande. 

Minha resposta:
Obrigada por reconhecer minha luta. Ela não é só minha e não é em causa própria. É por todos nós. Não gosto de responder á anônimos. Eu tenho a coragem de assinar o que eu escrevo. Mas como eu imagino quem você possa ser, eu vou abrir essa exceção. Primeiro: não bati boca. Há cinco anos eu venho pedindo, com toda a educação e “tato”, ao dono do hotel e aos funcionários, com os quais, até então eu sempre mantive uma relação de respeito, que eles não deixem o lixo na calçada o dia inteiro sem necessidade já que o caminhão só passa á noite e que não coloquem o lixo no domingo já que não há coleta nesse dia. E eu não peço somente á eles. Eu venho pedindo, com o maior jeito, á todos os vizinhos que colaborem nesse sentido. Vivemos em uma cidade onde o calor dilata e multiplica as bactérias, onde os transtornos de seis meses de chuvas intensas são muito grandes e muito ligados ao fato do lixo deixado nas calçadas serem arrastados pelas enxurradas, entupindo bueiros e inundando as casas das ruas de baixo.  Só que um dia a gente acaba perdendo um pouco a paciência e para que as coisas mudem às vezes é preciso um choque, uma sacudida. Foi o que eu fiz. Dei uma sacudida. Fui tratada de “vagabunda” pra baixo pela dona Eliane. Coitada. Sentar para encontrar uma solução? Claro! Tentei conversar com seu Garden, o dono desse “hotel” e ele se recusou a falar comigo. E a solução, caro anônimo, ela é muito simples: basta que ele compre uma lata de lixo, dessas tamanho família, compre sacos de lixo de 200 litros e coloque a lata á disposição dos “hospedes” no pátio (abandonado) do próprio hotel. À noite, a pessoa responsável colocaria então o lixo pra fora para ser recolhido pelo caminhão da prefeitura. Simples! Quanto custa uma lata de lixo e sacos de 200 litros? Francamente... O que você paga pelo seu quartinho, com certeza , dá para o dono do “hotel” comprar essa lata de lixo. Então, não tente me fazer passar pela pessoa não civilizada dessa história.
Segundo: entendo que você tenha medo de perder sua moradia, já que o "hotel" em que vive deve receber novamente a visita da vigilância sanitária daqui até o dia 30 de setembro. Caro anônimo, não é minha intenção colocar ninguém na rua. Não queira me colocar também como vilã nessa história. A vigilância sanitária vai é proteger você e os demais moradores. Vai é fazer com que o dono desse “hotel” que fatura, muito provavelmente sem notas, arque com suas responabilidades e respeite vocês enquanto  “clientes” – que eu saiba, ninguém mora ai de favor – e que ele tenha consciência do próprio imóvel que é propriedade dele mas é uma pérola do patrimônio da cidade. E olha que eu nem mencionei o risco de incêndio que vocês correm permitindo que as motos sejam guardadas na recepção do hotel. Se por acaso gotas de gasolina ou óleo começam a se impregnar nas pedras de cantaria e alguém sem querer deixa cair uma guimba de cigarro... Ai, ai, ai! Lá se vão vidas! E lá se vai um casarão dos tempos coloniais.
Terceiro: o lixo , como você mesmo disse, é um problema crônico de toda cidade, mas é um problema causado por seres humanos e que pode ser solucionado por seres humanos. Basta ter bom senso e vontade de mudar o que há anos vem sendo feito incorretamente. Não acredito que você concorde com a sujeira bem na porta do lugar onde você vive. Na foto o lixo ainda está fechado porque eu o fotografei tão logo foi colocado, mas faço questão de incluir outras fotografias com o lixo do Hotel Casa Grande aberto e transbordando nojentamente pela rua. 
Esse lixo, que você chama de “ coisa banal e inanimada” é causador de mortes : por inundação, por contaminação , por intoxicação e por ignorância.  Se gatos e cachorros (que são também problemas urbanos ) vêm fuçar em lixos é pura e simplesmente por que o lixo está ali exposto. Não vá também colocar a culpa nos animais. 
Leia a constituição antes de citá-la: seu direito á moradia está diretamente relacionado ás condições de higiene em que deve viver. E, meu caro anônimo, você não entendeu a mensagem do documentário sobre a obra do artista Vik Muniz... Ela é de "transformação". Não vejo qual seria a relação entre o lixão de Gramacho e o lixo que eu , e várias outras pessoas na cidade, lutam para impedir que vire "coisa normal" jogada aos ratos e baratas. Talvez o fato de as próprias pessoas a quem o Vik Muniz deu a oportunidade de se relacionarem com a arte (que se pode também fazer com " lixo"), não quererem mais voltar para o lixão de Gramacho. Elas só trabalham lá por que nós produzimos lixo e esse lixo sempre vai parar em algum lugar. Aquelas pessoas, se tivessem outra opção, não estariam lá. Talvez você não tenha outra opção a não ser morar nesse hotel... Enfim.. Assista ao filme novamente e vai ver que , quase todos deixaram o lixão e que nem o lixão existe mais daquela forma. Os que ficaram, ficaram para lutar por condições de trabalho mais dignas. Por que "catadores de material reciclável" são importantes em nossa sociedade. "Eles não catam lixo. Lixo não serve pra nada".
Vejo que você assina em nome de uma "sub-comissão em favor da permanência dos Moradores do Casa Grande”... Não seria melhor vocês criarem uma Comissão de Reivindicações a serem apresentadas e exigidas ao dono desse “hotel”?  Se vocês correm risco de ficarem sem teto, não é, em absoluto, por minha causa. Aliás, se o teto do segundo andar desabar novamente...não será , de forma alguma, por minha causa. Tudo que eu, como moradora dessa cidade peço, é justamente que nós, moradores dessa cidade, possamos ter um mínimo de bem estar e que os donos de “negócios” não tratem as pessoas como mercadoria, ou seja, como lixo. Porque você sabe, toda mercadoria um dia vira lixo.
Dê-se o valor! Dê exemplo!  Não é comigo que vocês devem tirar satisfações. É com o “dono do hotel” e com seus “funcionários”. 

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Está perto o seu fim...

Sinto que as coisas estão mudando. Sinto que Sarney ainda vai levar a dele antes de bater as botas, ou de pendurar as chuteiras. Quanto mais ele acredita que tudo pode e que seu poder é ilimitado, mais eu acredito que está perto o seu fim. Não é possível que ele e sua corja saiam impunes de nossa história. Não é possível que o Supremo Tribunal de Justiça continue servindo á impunidade, á corrupção e ás máfias nesse país. Não é mais possível que o Maranhão continue palco de tantos abusos e descasos. Não é mais possível que essa turma continue usando a coisa pública como se á eles ela pertencesse, e as verbas federais como bandeiras eleitoreiras... Basta! Que a casa caia e caiam seus casarões!

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O Mundo em Maus Lençóis - Manifesto MA-402


Um dos caminhos para se chegar ao Parque Nacional dos Lençois, no estado do Maranhão, passa pela cidade de Barreirinhas, pela estrada MA-402.

Construida em 2002, a estrada colocou esse Parque no circuito turistico internacional. A MA-402 leva o mundo aos Lençois Maranhenses - incontestavelmente uma das incontáveis maravilhas da Terra.

Esses 245 km de estrada são bastante significativos da rapidez com que destruimos “paraísos ecológicos” e “modos de vida” considerados “rústicos demais” aos olhos citadinos.

Em quatro anos a MA-402 já transformou a paisagem e a vida ao longo de seu tapete de asfalto.

De uma semana para outra, alguma mudança ocorre: grandes áreas são queimadas, novas construções surgem de repente. Novas cercas demarcam posses. Plantados à beira da estrada, postes de concreto anunciam a chegada da eletricidade.

Talvez não consigamos mais parar essa engrenagem movida a dinheiro, mas deveríamos ao menos tentar salvar regiões como essa área que corresponde à região do Munin e Lençois Maranhenses.

Uma pequena região fazendo parte de um todo, onde nascem e crescem rios cheios.
Onde, do solo rico, brotam buritis, babaçus, cajuais...
Onde manguezais, extraordinários espécimes da flora e da fauna, e homens, mulheres e crianças vivem e dependem dessas terras.

Mas, o Turismo tende a se desenvolver como “Industria”.

Assistiremos então, quase inertes, contribuiremos a contragosto e em silêncio continuaremos aceitando tudo em nome do “crescimento econômico”.

Em silêncio aceitaremos tudo...

Contudo, perguntas não me calam!

Como impedir que o “progresso” destrua a identidade do povo dessa região?

Como impedir que as terras ao longo da MA-402 sejam transformadas em áreas urbanas, caóticas e saturadas?

Quanto tempo esse santuário - o Parque Nacional dos Lençois - vai resistir        ?

O Maranhão faz parte da Amazônia Legal e todo impacto sofrido em seu meio ambiente – mesmo a leste do 44° meridiano – repercutirá sobre a Floresta Amazônica e conseqüentemente sobre o Mundo. O nosso Mundo, o qual, você pode até não querer acreditar, jà se encontra em maus lençois.
Marilia de Laroche / 2006

Aqui o povo dirige com as mãos na buzina

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

domingo, 4 de setembro de 2011

Muitos anos de praia...



Morávamos em Nice, no sul da França. No Natal de 2002, comprei uma super bicicleta BMX para meu filho. O menino nem cabia de tanta felicidade. Íamos para o Parque du Château, para o Parque de Villegrenier, levávamos os pequenos para andar de bicicleta pelas ruas de Saint Roch e ele podia andar tranquilo pelas ruelas do velho Nice.
A BMX custou uma pequena fortuna, algo como uns mil reais. Morávamos em um prédio de seis andares e tínhamos um espaço aberto e protegido onde podíamos guardar bicicletas ou carrinho de bebê.
Quando chegou janeiro, um dia, voltando com meus filhos da escola, estranhei o fato de o portão de acesso ao prédio estar aberto. Fui até o local das bicicletas e...!!! Das três bicicletas do prédio, a do meu filho tinha sido roubada.
 Olhei pra ele e vi a carinha de quem ia chorar. Ah que a gente ia tentar achar aquela bicicleta! Eu não trabalhei tanto pra dar uma bicicleta pro meu filho pra um connard roubar. 
Pedi à minha vizinha que subisse com os meninos e que ficassem protegidos em casa que eu ia dar uma olhada pelas ruas do bairro. 
Eu pensava: se foi a turminha da área... Não vão ficar dando bobeira por ai com a bicicleta... Eles vão vender a bicicleta, eu pensei. Onde? Pra quem? Caixa Convertor!
Caixa Convertor era uma loja, recém-inaugurada, que comprava e revendia de tudo usado!
Vocês podem perguntar, mas tem ladrão na França???  É claro que tem ladrão na França! Ladrão é uma praga que tem em tudo quanto é lugar, infelizmente. O que difere é talvez a maneira como atuam : com mais ou menos grau de violência. Enfim...
Fui apressada (e com a adrenalina em química bizarra dentro de mim) na direção do estabelecimento.  Pela vitrine eu vi, e vocês não vão acreditar, mas lá estava o ladrão segurando a bicicleta em frente ao guichê! Abri a porta de vidro e entrei, rindo da situação. Era incrível como meus pensamentos tinham me levado para aquele lugar!
Umas seis pessoas aguardavam para vender violão, torradeira, bibelôs... Eu entrei, dei uma olhada na bike e disse para o atendente - que nesse exato momento devolvia a identidade ao jovem ladrão
 _ Monsieur, appelez la police, ce vélo est à mon fils, il  vient d’être volé de notre garage !
 Exclamações se elevaram no recinto: oh ! Mas o que é isso?!
 Ainda rindo (eu realmente não parava de rir), feliz (e nervosa) por ter encontrado a bicicleta do meu filho, insisti:
 _ Moço, chama a polícia, essa bicicleta é do meu filho e acabou de ser roubada por esse rapaz.
 _ Quê isso madame ?, - me disse o ladrão - Vamos ali fora que eu mostro pra senhora umas três mil bicicletas como essa. 
_ Mas essa é a do meu filho! 
_ Madame, a senhora está acusando o rapaz só porque ele é árabe? , disse-me um dos seis clientes na salinha de espera.
 _ Eu não chamei o garoto de árabe, eu chamei de ladrão! Ele é ladrão porque acabou de roubar a bicicleta do meu filho. Moço chama a polícia!
 _ Non, eu não vou chamar a polícia – se esquivando talvez da punição, me respondeu o funcionário da loja, afinal ele estava comprando mercadoria roubada.
 Aí eu já não ria mais:
_ O senhor chama a polícia nem que seja prá dizer que tem uma louca aqui dentro da loja!
 A salinha ficou em silêncio!
 Uma senhora bem francesa que tentava ali vender um secador de cabelos, me disse:
 _ Mas madame, não é porque ele é árabe...  A senhora tem certeza que essa bicicleta é sua?
 E o ladrão: “Eu posso até buscar a nota-fiscal”
 _Essa é boa! , disse eu. Pois eu posso provar que essa bicicleta é minha!  Além da nota que eu tenho em casa, ela tem o nome do meu filho marcado no quadro.
Foi um burburinho imenso de surpresa. Todos ficaram de boca aberta quando eu mostrei o lugar onde se lia Bruno no quadro metalizado. 
O ladrãozinho aproveitou a confusão e saiu de lá correndo.
 Pedi que me entregassem a bicicleta e os três funcionários negaram.
 Pensei com meus botões: se eles compram coisas roubadas, pra eles o melhor é sumir com minha bicicleta e com a identidade do ladrão. 
Fui correndo até a polícia. Já eram quase dezoito horas, o comércio ia fechar e a delegacia não era assim tão perto dali.
Chegando ao comissariado uma policial me informa que não havia nenhuma equipe disponível. Nesse exato momento chegam três policiais à paisana que perguntam pra ela qual era o meu problema. Eu aproveitei para contar eu mesma o que acabara de me acontecer.
Caixa Convertor comprando coisa roubada para revender?... Disse contraindo a sobrancelha um dos policias, que logo tomou a decisão: Essa é pra nós, les gars
E saíram os três voando na joaninha deles em direção à loja. Eu tive que fazer o trajeto todo novamente, bufando feito uma condenada, pois eles não quiseram me levar – é proibido transportar civis inocentes em carro de polícia, principalmente em eventual perseguição.
Quando lá cheguei, eles já tinham recuperado a bicicleta e o gerente estava tendo que entregar a identidade do ladrão, preencher a ficha de ocorrência e  ainda responderia em processo por interceptação de objetos roubados.
O mais velho dos policiais, à paisana, me pede então para contar a história desde o começo e ao final me perguntou: 
_ Mas o que deu na cabeça da senhora pra pensar assim em marcar a bicicleta e acertar em vir ao Caixa Convertor
_ Ah... São muitos anos de praia.... dezessete só de Rio de Janeiro, seu policial!    

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

As várias faces da mesma moeda


Hoje a vida me ensinou seis lições entre a Cohab e a Praia Grande. Fazia tempos, confesso, eu não pegava ônibus. Não porque eu ando de carro. Eu nem tenho carro. Mas por que eu moro no Centro Histórico de São Luis, perto do Teatro Arthur Azevedo, perto do futuro teatro municipal, perto do mercado das Tulhas, do Mercado Central, perto dos bancos e de todo o comercio principal. Nem preciso ter carro apesar de ter uma garagem para quatro. Por isso eu nem ando de ônibus, ando á pé, pois tenho tudo por perto. Aliás, não é esse o ideal, "viver a dois passos de tudo"? 
Pois muito bem, hoje eu precisei fazer uma consulta médica lá na Cohab. Confesso também que eu nunca sei onde é a Cohab, a Cohama, o Cohafuma... São tantos nomes de conjuntos habitacionais que eu nunca me entendi direito. Mas hoje eu fiz questão de aprender e fui perguntando para o moço sentado a meu lado no ônibus São Francisco / Integração Cohatrac... "Qual o nome desse bairro?", "esse é o Angelim", "aqui é o Cohafuma"... me respondia ele com a maior gentileza. Mas o que eu aprendi mesmo hoje nessa minha viagem no ônibus foi uma grande lição de valores. Vou contar o que aconteceu... 
Saí do consultório médico ás sete da noite depois de ter esperado quatro horas para ser 
atendida. A demora foi compensada pelo médico que soube me ouvir e me fez exame 
othorrino completo. De lá eu atravessei com dificuldade a pista da avenida principal – porque faixas de pedestre não há e sinal especial para pedestre também não - se vacilar os carros passam por cima. 
No terminal, esperei feito uma tola (dentro do circuito de ferro para a fila) o ônibus Circular n° 1 que me levaria á Praia Grande. Esse levou uns vinte minutos para chegar. Quando parou diante de mim, um monte de gente se precipitou ás portas e eu, que era a primeira da fila, quase nem embarcava tamanha era a falta de educação. Mas tudo bem, eu consegui entrar e ainda fui mais rápido que o jovem de cabelo pintado e me sentei na ultima poltrona ainda vaga. 
De frente á Ceasa, uma senhora imensa de gorda adentrou o ônibus com um enorme saco de laranjas. Laranjas rolaram... A dona desceu e empurrou para dentro do ônibus lotado um caixote de tomates e mais um saco enorme do que parecia ser farinha. De tão gorda ela não caberia em poltrona alguma e aquela destinada a deficientes físicos – geralmente mais espaçosa - estava ocupada por uma mocinha que fingia dormir. A senhora giga balofa então sentou-se na escada atrapalhando a passagem de quem devia entrar ou sair. Ela não parecia se incomodar. Passou todo o trajeto tirando meleca do nariz e cutucando as unhas sujas. Tão pouco se importava com o fato de uma laranja ou outra rolar pelo corredor do ônibus. Apesar de gorda, realmente gorda, tinha o rosto bonito e a pele lisa parecia ser macia. Eu admirava sua coragem e disposição : pobre, fodida, obesa... carregando sozinha aquele monte de mercadoria que certamente serviria a alimentar sua família. Senti meu coração amolecendo diante da situação daquela mulher. 
A mocinha com cara de anjo, linda, que estava ao meu lado, olhava também pra ela. 
"Que vida , não?" , eu disse. E ela fez uma carinha de compaixão. "Tem um monte de gente sacana por ai montada no dinheiro que não tem um terço da força dessa mulher", insisti em conversar... "É mesmo..." , ela concordou pensativa. Nessa, entra um rapaz distribuindo revistinhas de palavras-cruzadas aos pares para cada passageiro. Como eu não tinha dinheiro eu o agradeci e devolvi as que ele me entregou. Com estupidez ele tomou as revistas da minha mão e começou a falar para o pessoal do ônibus: "boa tarde senhoras e senhores, estou aqui vendendo esses livrinhos de palavras cruzadas e jogos de entretenimento para aumentar a cultura de vocês. Normalmente eles são vendidos a dois reais e cinquenta ou três reais e noventa, mas eu vendo a um real cada".
Eu pensei: pôxa, eu adoro palavra-cruzada será que eu tenho um real no meu bolso? 
Catei tudo que encontrei e tudo era noventa centavos. Pensei: se ele vende por um real deve aceitar noventa centavos. Mas não. Com a mesma estupidez, ele, que não vendeu uma revista sequer ali naquele ônibus, recusou minha oferta e me disse um não tão arrogante e categórico com uma cara de mau humorado que fiquei sem graça. 
A moça anjinha ao meu lado, me disse: "eu tenho dez centavos, você quer?". Ela me comoveu. Eu disse "muito obrigado, eu só queria ajudar o moço... Mas ele recusou...". Ela 
suspirou me confortando a alma ao dizer ... "nossa, que moço mais sem noção". Meu 
coração ficou pequenininho. "Em que mundo vivemos", pensei comigo. 
Nisso, entra uma outra obesa e senta-se á nossa frente. Vendo meu interesse, e o da moça, 
pela situação da senhora gorda mal instalada na escada do coletivo, começou a puxar 
conversa dizendo que aquela mulher era "bicho ruim" , que "mijava nas pessoas" e 
"nem as quatro filhas dela gostam dela". Olhei para a moça ao meu lado que olhou pra mim tão surpresa quanto eu. Nós ali falando de nossa admiração pela coragem e pela força de vontade da senhora gorda e a outra acabando com a sua reputação. Vai saber! 
Vai ver a gorda por quem sentíamos pena era mesmo o cão. Mas meu coração dizia que 
não. Quando o ônibus enfim chegou ao terminal da Praia Grande, todos se precipitavam 
para sair e literalmente passavam por cima da gorda. Eu disse "espera gente, vamos ajudá-la a descer as caixas..." . No que um moço se prontificou. Na calçada eu perguntei á ela se ela fazia aquele trajeto todos os dias. Ela me disse que não, que era só uma vez por semana. Pedi que me permitisse tirar uma fotografia dela e ela consentiu. A outra gorda, com a pele suja e os dentes podres, ficou ao lado observando. Eu agradeci á senhora que viajou na escada e a desejei tudo de bom. A outra, me vendo ir embora , num gesto suspeito e voz de serpente me sussurrou: "Ô me deixa ai um realzinho?!" . Eu ri e disse á ela: "Você falou mal da outra que estava ali dando duro e nada pediu nem pela foto que eu fiz ... Sinto muito mas eu só tenho noventa centavos". 
Atravessei a avenida em direção á Oficina Escola onde uma aula de Arte me propus a ouvir e agradeci á vida por ter me mostrado tantos lados de uma mesma moeda.